segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Onde as horas não passam...Mawilda.

Mawilda
                                                         Por Claudio Castoriadis


Quando deixo o refeitório um tênue raio de luz descobre um sorriso com ar de casual, era a garota Mawilda. Franzindo a sobrancelha seu olhar ressumava ternura em um rosto angelical. Uma chuva ligeira caíra na noite anterior, por isso a pequena não se contia de alegria enquanto observa seu pequeno irmão brincar com as galhas secas e as poucas gotas que ainda caiam do teto. Intrigante, muitas pessoas desejariam falar com Deus, manter um contato direto com o criador, no momento contenta-me o simples - só queria ouvir por instantes a voz do pequeno irmão da Mawilda. Tentar compreender o que se passa na cabeça dessa criatura sagrada. Ele é nosso porto seguro, durante toda travessura do vale entre esse mundo pra o outro muitas forças malignas nos cercam, diversos entes das trevas, blasfemando contra ás leis eternas do divino e da compreensão, e graças a sua bravura e orações nenhum mal permanece muito tempo peregrinando sobre nossos passos. Taluiá Heniê, é como costumo denominá-lo, que significa “Filho que caminha sobre a luz da justiça divina”. Quando tive noção do meu dom requeimo-me uma sede ardente; desde então me ocupei em proteger essas duas crianças, verdadeiras e misteriosas. E foi somente a partir delas que passei a modificar todos os meus hábitos. A garota Mawilda foi a primeira a se manifestar para mim. Ainda quando criança ela aprontava no porão da minha casa, era tímida, tinha um modo de chamar atenção um tanto sutil. Não demorou muito ela tinha suas aparições em meu guarda-roupas; não tinha medo, mesmo quando ela passou a ser companhia constante ao lado da minha cama quando pela madrugada eu acordava com sede. Tinha por baixo do seu lindo cabelo encaracolado, um rosto cuja pela imaculada destilava uma imensa brancura. Olhos negros, bem desenhados, que se perdiam entre as têmporas realçadas por longas pestanas. De imediato qualquer um ficaria deslumbrado pelo brilho de seus olhos tão intensos e obstinados - Uma exuberância de juventude. Vestido curto, meio branco amarelado, seus trajes eram bem típicos de uma pequena boneca. Com o tempo suas aparições passaram a ser constantes e duradouras. Ela estava encarregada de ensina-me tudo o que fosse necessário para o aperfeiçoamento do meu dom. Quem a enviou? O porquê? Bem, para essas perguntas ela sempre me negou uma plausível resposta. Eu entendo e deverás respeito; afinal existe tanto mistério nessa vida, coisas que ultrapassam a experiência do possível.
Ninguém desse lugar passa despercebido do olhar dessa garota brincalhona. Bastante talentosa, Mawilda tem sempre ao lado um pequeno caderno onde passa horas rabiscando caricaturas, objetos e figuras extravagantes. As árvores, plantas, esculturas, bancos, cadeiras, instrumentos, enfermeiros e pacientes - todos são modelos que ganham vida nos graciosos traços da garota Mawilda. “O mundo não se resume apenas ao que vivenciamos” diz minha pequena amiga, “mas também a tudo que podemos representar pela arte”. Que assim seja Mawilda; que sua arte possa explodir em alegria e infinitas cores essa medonha realidade, que cada pedaço desse lugar seja abençoado por suas delicadas mãos. Quem não gostaria de possuir um caderno mágico? Sim, um caderno com folhas mágicas. Folhas que na verdade são espelhos encantados onde o feio se delineia como belo, onde as feridas são apenas rabiscos que não ferem. Você nem sabe o quanto é reconfortante seus traços Mawilda. Quando estou triste com a realidade fecho os olhos, tento não perder o controle, controlo minha respiração e deslumbro minha vista para uma só direção: as paginas sagradas de um simplório caderno. Simples assim, Espigão, Naldo, Dona Esperança e todos da clínica são verdadeiros heróis, ganham uma nova vida, todos são felizes com suas famílias, todos são iguais dourados por um novo sol, todos são belas flores cultivadas em um imenso jardim, um lugar onde o equilíbrio é possível.


Por Claudio Catoriadis

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