quarta-feira, 2 de maio de 2012

NIETZSCHE: UMA COMPREENSÃO DA CULTURA DO OCIDENTE COMO SINTOMA DE DECADÊNCIA MORAL


2.     A NOÇÃO DE MORAL COMO ANTINATUREZA


A questão dos valores é mais fundamental
que a questão da certeza: a seriedade desta
depende da solução que dermos àquela
Nietzsche
Vontade de Potência


Passemos, pois, à segunda significação da moral, para podermos compreender Nietzsche em sua análise crítica: uma moral compreendida como “antinatureza”. Seria de suma importância insistirmos em uma compreensão objetiva para o conceito de moral na perspectiva nietzschiana, para somente assim adentrarmos com clareza e cautela na esfera do seu discurso, visto que a busca de um justo conceito de moral evitaria possíveis contrassensos aderentes ao termo. Nesse momento, a análise da moral como objeto da crítica de Nietzsche não se detém na ética, em bons costumes, coisas positivamente valoráveis ou regras de comportamento, como já foi exposto. Sua crítica traz à tona todas as coisas humanas em sua plenitude: sentimentos, pensamentos e atos. Nesse aspecto podemos centralizar sua análise especificamente para uma moral cujo significado nos remete a formas de avaliação ou perspectivas avaliadoras. O grande problema agora é: quem está avaliando? Por que tal ou qual avaliação? O que sabemos de tal valor? O que podemos saber sobre o valor? Feitas essas perguntas nossa problemática agora se volta para a questão da criação.


2.1.   Procedimento genealógico


Foi analisada a moral como sentimento dos costumes. Agora será problematizado e aprofundado esse sentimento desde sua origem. Se a moral é uma condição de vida e tal condição é comprometida pelo sentimento de medo, então podemos pensar que a função última da moral apresenta-se como uma reação ao perigo. Sendo assim uma busca de conservação. Afinal, como já foi dito, uma moral implica em uma estrutura de valorações e as valorações são condições de uma determinada existência. Por tanto, um valor é um instrumento pelo qual um tipo específico de vida se exterioriza, seja para expandir seu domínio ou para conservar-se.
Sabemos que a moral é uma condição de vida e tal condição é um reflexo de quem se impõe ou se conserva. Porém, a questão central que Nietzsche levanta é a seguinte: qual seria o sentido de uma determinada tábua de valores? Sobre que solo os valores foram fincados? Afinal, vale para quê determinada valoração? Qual a base de determinada perspectiva? Quem está reagindo ao perigo? Quem está buscando conservação? Sobre quais circunstâncias surgem os valores morais? Como esses valores são construídos e transmitidos? Quem cria um valor o faz somente por determinadas condições; quais seriam elas? Enfim, qual o valor da invenção humana do bom e do mal?
Em seu cultuado livro A Genealogia da Moral, Nietzsche escreve o que seria uma das tarefas da sua filosofia:
Necessitamos de uma crítica dos valores morais e, antes de tudo, deve-se discutir o valor desses valores e por isso é totalmente necessário conhecer as condições e os ambientes em que nasceram, em favor dos quais se desenvolveram e nos quais se deformaram – a moral como consequência, como sintoma, como máscara, hipocrisia, enfermidade, equívoco; mas também a moral como causa, remédio, estimulante, inibição, veneno – como certo conhecimento que nunca houve outro igual nem poderá haver (Nietzsche, 1998, 12).
Partindo de rigorosos exames de caráter etimológico, histórico, filosófico e psicológico para investigar a linguagem acerca dos adjetivos morais, Nietzsche segue à risca seu procedimento genealógico, como crítica dos valores morais que visa demolir toda a base da conduta humana. Estrategicamente nosso filósofo foi minando tudo o que se encontrava à sombra dos hábitos valorizados e valores habituais, questionando-se pelo valor dos valores. A pergunta não se restringe aos valores existentes, mas estende-se ao valor desses valores. Não se detendo apenas no esclarecimento da estrutura moral, mas principalmente questionando sobre quais circunstâncias surgiu um determinado valor, e de que modo eles foram favoráveis ou não ao desenvolvimento humano. Daí Nietzsche se pergunta: são sintomas de indigência? De mediocridade? Empobrecimento? De degeneração da cultura? Com efeito, cada manifestação da conduta humana, as instituições, a filosofia, a arte, a política, o Estado, enfim, todos são contestáveis mediante seu corrosivo procedimento genealógico. 

Por Claudio Castoriadis ( Franciclaudio Feliciano de Lima )

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