3. O PROBLEMA DA CULTURA RACIONALISTA: A ÉTICA E O OTIMISMO SOCRÁTICO
Dando continuidade em nossa análise da moral ficou
claro até o momento que o problema da decadência da cultura também é o problema
da influência do cristianismo. Porém esse tipo de influência que o Nietzsche
compreende como sendo uma doença que propagou na cultura europeia não se deve
apenas ao cristianismo. Tudo que foi dito acerca dos custos negativos da moral
acaba dando cor e contorno de certo modo à problemática marcante de nossa
pesquisa: Sócrates. Nele se encontra latente o suposto veneno que se alastrou
até nossos dias, principalmente entre os chamados livres pensadores, os
democratas, os socialistas, até mesmo naqueles que recusam as igrejas
instituídas.
Em tudo que até agora foi chamado de religião, educação,
cultura e moral, existe o inegável contágio do modo de interpretar o mundo pela
ótica do ressentimento, termo cunhado pelo Nietzsche para distinguir aqueles
contrários às forças primordiais da vida ou forças vitais da cultura. Seguindo
esse raciocínio não é difícil entender que Nietsche enxergou uma Europa que
agoniza em plena decadência ou, dito nos termos nietzschianos, total niilismo,
onde o homem moderno, esse que se apresenta como sendo um religioso sem Deus,
adquire explicitamente as feições indeléveis do imperativo categórico da
moralidade: sejamos o contrário dos maus, sejamos bons!
O sentido real dessa máxima que a princípio aparenta
um código de conduta louvável já foi problematizado nos dois primeiros
capítulos. O mais importante agora é tentar compreender de onde e como
Nietzsche chegou a essa conclusão acerca da moral e, por conseguinte da
cultura. Duas conferências pronunciadas no inverno de 1870 tratam do drama
musical grego e precisamente da relação entre Sócrates e a tragédia. A
civilização helênica estava para Nietzsche profundamente marcada pela força do
mito, sendo digna de admiração e veneração a própria essência do helenismo
representado sobretudo nas figuras de Homero, Hesíodo, Píndaro e Ésquilo.
Portanto, quando se trata de considerar o
diagnóstico de Nietzsche sobre a história do Ocidente como sintoma de
decadência, deve-se sempre levar em conta que ele principia sua crítica
contrapondo a cultura moderna ao sentido trágico da cultura grega. Com isso
podemos chegar à seguinte conclusão: o auge e declínio do pensamento ocidental
dá-se em dois momentos: um percurso trágico de Píndaro, Ésquilo e demais
referências; e um outro teórico principiado em Sócrates em todo o pensamento
posterior. Uma passagem do livro Nietzsche
e a Justiça, de Eduardo Rezende, embasa bem essa questão:
O
problema da valoração dos valores morais subjacentes aos modos de vida
acompanha o pensamento nietzschiano desde o início. Sua obra primeira, o Nascimento da Tragédia, coloca desde logo a pergunta sobre as
razões pelas quais a civilização trágica grega sucumbiu ao contrapor-se a uma
distinta maneira de conceber o homem (2004,
p. 1).
Porém, sem dúvidas, a pergunta de imediato que surge
é: por que uma reflexão da história humana de caráter psicológico e social
encontra em Sócrates um objeto de análise? Frente a um leque muito amplo de
possibilidades e domínio da sua crítica, Sócrates é enfatizado como precursor
da degenerescência do pensamento ocidental. Com isso, o desafio de nossa
pesquisa não é apenas interpretar o que Nietzsche entende por decadência, mas,
o de construir uma reflexão que permita relacionar a influência de Sócrates na
situação do pensamento ocidental. Para tanto, vamos nos ater em uma passagem de
sua primeira e grande obra filosófica, O
Nascimento da Tragédia:
Sócrates
achou que deveria corrigir a existência: como precursor de uma cultura, de uma
arte e de uma moral totalmente diferentes, ele, o solitário, avançou, com ar de
desprezo e de altivez, no meio de um mundo cujos últimos vestígios são para nós
objeto de uma profunda veneração e fonte das mais puras alegrias (2007c, p. 96).
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Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura > |