Certos autores insistiram no fato
de que o Parlamento, particularmente o Parlamento inglês, é uma invenção
histórica, o que, se refletirmos bem, não tem nada de evidente: é um lugar onde
as lutas entre os grupos, os grupos de interesses, as classes, se preferirmos,
vão se dar segundo as regras do jogo que faz com que todos os conflitos
externos a essas lutas tenham algo de semicriminoso.
A propósito dessa
“parlamentarização” da vida política, Marx fazia uma analogia com o teatro: ele
via no Parlamento e no parlamentarismo uma espécie de engodo coletivo no qual
os cidadãos se deixam lograr; essa espécie de teatro de sombras ocultaria de
fato as verdadeiras lutas que estão do lado fora.
Penso que é o erro sistemático de
Marx. Já disse isso cem vezes aqui, é sempre o mesmo princípio. A crítica
marxista, que não é falsa, torna-se falsa quando esquece de integrar na teoria
aquilo contra o qual a teoria é construída.
Não haveria razão de dizer que o
Parlamento é um teatro de sombras se as pessoas não acreditassem que ele é algo
diferente. E ele não teria nenhum mérito de dizer isso.
Em certo sentido, Marx diminui
seus próprios méritos esquecendo que aquilo contra o qual ele afirmou sua
teoria sobrevive à sua teoria: o Parlamento pode ser este lugar de debates regulamentados,
num sentido um pouco mistificado e mistificador, esta mistificação fazendo
parte das condições de funcionamento dos regimes e, em particular, das
condições de perpetuação dos regimes que chamamos democráticos.
O Parlamento é, pois, esse lugar
de consenso regulado ou de dissenso dentro de certos limites, que pode excluir
ao mesmo tempo objetos de dissenso e sobretudo maneiras de exprimir o dissenso.
Pessoas que não têm as boas maneiras de expressar o dissenso são excluídas da
vida política legítima.
Fontes
1. MARX Karl. Le 18 Brumaire de
Louis Bonaparte. Paris: Editions Sociales, 1976 [1852] [no Brasil, O 18 de
Brumário de Luis Bonaparte, Boitempo].
2. Ver BOURDIEU, P. Choses dites
[no Brasil, Coisas ditas, Brasiliense].
Este texto é parte do curso dado
por Pierre Bourdieu em 12/12/1991 e que faz parte do livro Sur l´État. Tradução
de Leneide Duarte-Plon.
Claudio Castoriadis |