2. A NOÇÃO DE MORAL COMO ANTINATUREZA
A
questão dos valores é mais fundamental
que
a questão da certeza: a seriedade desta
depende
da solução que dermos àquela
Nietzsche
Vontade
de Potência
Passemos, pois, à segunda significação da moral,
para podermos compreender Nietzsche em sua análise crítica: uma moral
compreendida como “antinatureza”.
Seria de suma importância insistirmos em uma compreensão objetiva para o
conceito de moral na perspectiva nietzschiana, para somente assim adentrarmos
com clareza e cautela na esfera do seu discurso, visto que a busca de um justo
conceito de moral evitaria possíveis contrassensos aderentes ao termo. Nesse
momento, a análise da moral como objeto da crítica de Nietzsche não se detém na
ética, em bons costumes, coisas positivamente valoráveis ou regras de
comportamento, como já foi exposto. Sua crítica traz à tona todas as coisas
humanas em sua plenitude: sentimentos, pensamentos e atos. Nesse aspecto
podemos centralizar sua análise especificamente para uma moral cujo significado
nos remete a formas de avaliação ou perspectivas avaliadoras. O grande problema
agora é: quem está avaliando? Por que tal ou qual avaliação? O que sabemos de
tal valor? O que podemos saber sobre o valor? Feitas essas perguntas nossa
problemática agora se volta para a questão da criação.
2.1. Procedimento genealógico
Foi analisada a moral como sentimento dos costumes.
Agora será problematizado e aprofundado esse sentimento desde sua origem. Se a
moral é uma condição de vida e tal condição é comprometida pelo sentimento de
medo, então podemos pensar que a função última da moral apresenta-se como uma
reação ao perigo. Sendo assim uma busca de conservação. Afinal, como já foi
dito, uma moral implica em uma estrutura de valorações e as valorações são
condições de uma determinada existência. Por tanto, um valor é um instrumento
pelo qual um tipo específico de vida se exterioriza, seja para expandir seu
domínio ou para conservar-se.
Sabemos que a moral é uma condição de vida e tal
condição é um reflexo de quem se impõe ou se conserva. Porém, a questão central
que Nietzsche levanta é a seguinte: qual seria o sentido de uma determinada
tábua de valores? Sobre que solo os valores foram fincados? Afinal, vale para
quê determinada valoração? Qual a base de determinada perspectiva? Quem está
reagindo ao perigo? Quem está buscando conservação? Sobre quais circunstâncias
surgem os valores morais? Como esses valores são construídos e transmitidos?
Quem cria um valor o faz somente por determinadas condições; quais seriam elas?
Enfim, qual o valor da invenção humana do bom e do mal?
Em seu cultuado livro A Genealogia da Moral, Nietzsche escreve o que seria uma das
tarefas da sua filosofia:
Necessitamos de uma crítica dos
valores morais e, antes de tudo, deve-se discutir o
valor desses valores e por isso é totalmente necessário conhecer as condições e
os ambientes em que nasceram, em favor dos quais se desenvolveram e nos quais
se deformaram – a moral como consequência, como sintoma, como máscara,
hipocrisia, enfermidade, equívoco; mas também a moral como causa, remédio,
estimulante, inibição, veneno – como certo conhecimento que nunca houve outro
igual nem poderá haver (Nietzsche,
1998, 12).
Partindo de rigorosos exames de caráter etimológico,
histórico, filosófico e psicológico para investigar a linguagem acerca dos
adjetivos morais, Nietzsche segue à risca seu procedimento genealógico, como
crítica dos valores morais que visa demolir toda a base da conduta humana.
Estrategicamente nosso filósofo foi minando tudo o que se encontrava à sombra
dos hábitos valorizados e valores habituais, questionando-se pelo valor dos
valores. A pergunta não se restringe aos valores existentes, mas estende-se ao
valor desses valores. Não se detendo apenas no esclarecimento da estrutura
moral, mas principalmente questionando sobre quais circunstâncias surgiu um
determinado valor, e de que modo eles foram favoráveis ou não ao
desenvolvimento humano. Daí Nietzsche se pergunta: são sintomas de indigência?
De mediocridade? Empobrecimento? De degeneração da cultura? Com efeito, cada
manifestação da conduta humana, as instituições, a filosofia, a arte, a política,
o Estado, enfim, todos são contestáveis mediante seu corrosivo procedimento
genealógico.
Por Claudio Castoriadis ( Franciclaudio Feliciano de Lima )
Cont...