Miguel Reale é certamente a
figura mais respeitada do meio jusfilosófico nacional. Com sua síntese humanista, nobre e elegante da filosofia do direito, Miguel Reale é uma insubstituível
personalidade intelectual. Ousada, a visão filosófica de Miguel Reale é uma culminação de uma poderosa coragem intelectual, de uma desvastadora inteligência,
que alimenta, sem discrepância, a capacidade sintetizadora -nomotética-
de um gênio destinado a somar, sem meio-termo simplificador, a multiplicidade da experiência acerca da realidade. Quem nunca ouviu falar
da sua intrigante Teoria Tridimensional do Direito que ganhou destaque não
apenas no Brasil, como também em todo o mundo? Principalmente na América
Latina. Sua tese de que o Direito possui tríplice face – o fato, o valor e a
norma – chegou a ser uma constante entre os intelectuais da área jurídica, que
na verdade mal compreendiam a grandeza das nuances da sua filosofia. A Teoria
Tridimensional de Miguel Reale, na verdade, é uma teoria onto-axio-gnosiológica
do ser jurídico. Como assim? Ora, na Teoria Tridimensional do Direito há uma
dimensão ontológica, pela qual Reale pensa o ser jurídico, há uma dimensão
axiológica, pela qual Reale demonstra que a essência do fenômeno jurídico é
sempre e necessariamente valorativa e, portanto, interpretativa. Por fim, há
uma dimensão gnosiológica, que representa a esfera normativa, isto é, a forma
próprio de conhecimento do ser jurídico, que é a realidade normativa.
Constata-se, com isso, que a
Teoria Tridimensional do Direito insere-se no âmbito do culturalismo jurídico.
Mas o que foi o culturalismo jurídico? O
culturalismo jurídico foi uma corrente que, de certa forma, nasceu com o pensamento
kantiano. Kant, em sua obra Kritik der Sitten, havia observado que "A
produção, em um ser racional, da capacidade de escolher os próprios fins em
geral e, consequentemente, de ser livre, deve-se à cultura." Nesse
contexto podemos compreender a cultura como sendo o resultado das realizações
do homem sobre o mundo natural, visando a fins especificamente humanos. Dito de
outra forma, a projeção do espírito humano sobre o mundo natural ao longo da
História.
Negar a influência do filósofo
kant no pensamento jurídico-filosófico de
Miguel Reale seria um abuso para um pensamento que foi estruturado
simetricamente. Porém, o culturalismo jurídico de Reale se difere do filósofo
alemão a partir do momento que ganha uma nova guinada, em sua forma final, uma
teoria da justiça e do Direito, em diversos aspectos, distinto do pensamento
kantiano- criticismo- e que alcançou um sentido e um significado próprio
extremamente original no Brasil, representado pela tão conhecida Teoria
Tridimensional do Direito.
Realmente, o culturalismo
jurídico de Reale assumiu proporções de uma verdadeira teoria da justiça e do
Direito, com fundamentos epistemológicos e axiológicos próprios, e é esse o
alcance prático e teórico da Teoria Tridimensional do Direito até hoje pouco
estudado em nosso meio jurídico e acadêmico. Arte final de um pensamento
pluralista, a Teoria Tridimensional de Miguel Reale é a principal manifestação
do culturalismo jurídico do mesmo. Com isso, a Teoria Tridimensional do Direito
insere-se no âmbito do Culturalismo Jurídico. Não obstante, podemos reconhecer
que o autor dá primazia ao caráter histórico, visto que a cultura se encontra
atrelada no devir histórico, e o direito, como objeto cultural, nasce nesse
contexto, donde se pode afirmar que o mesmo se fez presente tantas vezes e em
quaisquer sociedades que o estabelecera, seja para determinar condutas, seja
para apaziguar conflitos. O Direito segundo o pensamento do Reale não é apenas
a norma ou a letra da lei, vai além do discurso formal, pois é muito mais do
que a mera vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente cultural de
determinado lugar e época, em que os três aspectos – fático, axiológico e
normativo – se entrelaçam e se influenciam mutuamente numa relação dialética na
estrutura histórica.
Sobre o autor
Miguel Reale formou-se em Direito
pela Universidade de São Paulo em 1934, ano em que publicou seu primeiro livro,
"O Estado Moderno". Nessa ocasião, foi um dos dirigentes da Ação
Integralista Brasileira. A bibliografia de Miguel Reale compreende obras de filosofia,
filosofia jurídica, teoria geral do direito, teoria geral do Estado, além de
monografias e estudos em quase todos os ramos do direito público e privado, e
até poesia. Entre outras, podem-se destacar "Filosofia do Direito"
(1953); "Pluralismo e Liberdade" (1963); "Teoria Tridimensional
do Direito" (1968); "Experiência e Cultura" (1977); "A
Filosofia na Obra de Machado de Assis" (1982); "De Tancredo a
Collor" (1992); "Face Oculta de Euclides de Cunha" (1993) e
"Paradigmas da Cultura Contemporânea" (1996).
Por Claudio Castoriadis
Claudio Castoriadis |