sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Os demônios de Dostoiévski



'Os demônios’, juntamente com 'Crime e Castigo', 'O Idiota' e 'Os irmãos Karamazov', integra a última fase da carreira do escritor russo.  A primeira impressão que se tem na leitura de Os Demônios é de incongruência, desarmonia e desfiguração. Tudo é o que não deveria ser. Intelectuais não são intelectuais, governadores não governam, e as relações familiares são desemaranhadas. Assassinato é considerado fidelidade; feiura, beleza; blasfêmia, religião; erro, verdade; e um milhão de cabeças reunidas num agitado aglomerado é a visão do milenarismo social. Algum tipo de medida foi perdido; a proporção imperceptível; e a dignidade e identidade pessoal esquecida. Todos e tudo estão de alguma maneira mutilados. Sobre um fundo de caos sobressaem figuras arquetípicas do herói e do anti-herói. 

O romance publicado em 1871, conta a história de um pequeno grupo de revoltosos socialistas (“os nossos”) numa certa província da Rússia (província não referida, restando a impressão de que se trata de uma região interiorana), os quais têm em mente levar adiante o movimento até que ele alcance todo o vasto território russo — aliás, os membros desse pequeno grupo crêem na existência de ramificações do seu movimento por toda parte — e com isso ponha por terra o estado constituído a fim de substituí-lo por uma sociedade justa e ideal. É escrito em três partes e o narrador é Anton Lavriéntev, que só é identificado quase no fim da primeira parte. A história se inicia com a biografia de Stiépan Trofímovitch; com a descrição dos traços de personalidade de Nikolai e da imponente Varvara Pietrovna, proprietária rica que subjuga Stiépan. Mas a gama de personagens é imensa e conta, por exemplo, com a marcante Mária Timofêievna, uma mulher coxa que é espancada pelo seu irmão, o capitão Lebiádkin.

Com sua trama complexa e polifônica, o livro ainda hoje é mal compreendido. Alguns o interpretaram como um livro absurdo- fruto de uma mente insana. Outros o analisam como um romance anti-revolucionário e reacionário. Dostoiévski parece neste livro demonstrar incrível sensibilidade para perceber as tendências históricas e as várias tendências políticas (ocidentalistas e eslavófilos) em luta sob um regime autocrático. Para Pierre Lamblé, o objetivo do romance é demonstrar o curso dos fatos, mas também fazer uma “ameaça” e uma previsão para a Rússia. Para este Lamblé a genialidade do autor foi perceber que a força caótica do movimento revolucionário vinha justamente da violência, tirania, ineficiência e “miopia” da administração, da elite (autoridades, igreja) e do governo russos. Neste contexto, homens e forças políticas que seriam ineficazes e ridículos em outras condições adquirem força e potência. 



Por Claudio Castoriadis
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