sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Emile Cioran: “esquizofrenia poética”



Nascido em Rosimari, uma aldeia nos Cárpatos, na montanha, a 12 km de Sibiu-Hermanstad (Nagyszeben, em húngaro), então uma cidade importante do Império Áustro-Húngaro, em que coabitavam as etnias alemã, húngara e romena. Durante a guerra de 14 (com três anos), seus pais foram deportados pelos húngaros, e Cioran, sua irmã e seu irmão ficaram com a avó. Aos dez anos (1921) deixou a aldeia para entrar no colégio de Sibiu. Aos vinte anos, em 1931, em Sibiu, Cioran diz ter vivido o grande drama de sua vida, que o marcou definitamente, o início de sua insônia. Com 22 anos escreveu seu primeiro livro, em 1933, No cume do Desespero, publicado em 1934. Havia terminado seus estudos de filosofia, em 1937, em Bucareste e não conseguia ser professor por causa da insônia.

Em 1937, Cioran veio para Paris como bolsista do Instituto Francês de Bucareste. Sua dedicação à escrita e reescrita de sua obra fez com que a crítica o considerasse um dos maiores prosadores da língua francesa desde Valéry. Suas obras se caracterizaram pelo pessimismo. Para ele, o suicídio era uma possibilidade sempre aberta. "Só vivo porque posso morrer quando quiser. Sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo", costumava dizer. A interessante característica de Cioran é a tentativa de lutar contra o niilismo existencial por significados niilistas. Diferente de seus contemporâneos, Cioran é averso ao pessimismo clichê dos intelectuais modernos que lamentam paraísos perdidos, e que continuam pontificando sobre o fim do progresso econômico. Inquestionavelmente, o discurso literário da modernidade tem contribuído para essa disposição do falso pessimismo, embora esse pessimismo pareça ser mais induzido por apetites econômicos frustrados, e menos, pelo que Cioran fala, “alienação metafísica”. Contrário ao existencialismo de J.P. Sartre, que foca na ruptura entre ser e não-ser, Cioran lamenta a divisão entre a linguagem e a realidade e, portanto, a dificuldade de transmitir inteiramente a visão da insignificância existencial. Em um tipo de alienação popularizada por escritores modernos. 

A filosofia de Cioran carrega uma forte marca de Friedrich Nietzsche. Embora seu incorrigível pessimismo muitas vezes chama a “Weltschmerz” de Nietzsche, sua linguagem clássica e sua rígida sintaxe raramente tolera narrativas românticas ou líricas, nem as explosões sentimentais que pode-se encontrar na prosa de Nietzsche. Seu formalismo na linguagem, sua impecável escolha das palavras, apesar de algumas similaridades com autores modernos do mesmo calibre elitista, o torna difícil de seguir. Pode-se admirar o arsenal de palavras de Cioran como um sintoma de “esquizofrenia poética”. Aos 84 anos, morre de mal de Alzheimer. Na terça-feira 20 de junho de 1995.



Obras traduzidas para o português: (Sempre pela Editora Rocco) Breviário de Decomposição, História e Utopia, O livro dos Logros e Silogismos da Amargura. A tentação de existir (pela editora portuguesa Relógio d'Água).


Por Claudio Catoriadis
Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

CONSTITUIÇÃO E PODER - Deus, a liberdade religiosa e a Constituição Federal

A relação entre a liberdade religiosa e os modernos Estados seculares tem suscitado desde sempre controvertidas e complexas questões de Direito Constitucional. Em recente e instigante livro, o filósofo Russell Blackford (Freedom of Religion and Secular State) começa por dizer que a “liberdade religiosa não é apenas uma liberdade entre outras”[1], mais do que isso, se firmou como autêntica pedra angular dos modernos direitos dos cidadãos.


Não obstante a importância da liberdade religiosa, diante da complexidade que as relações entre Estado e religião conformam, o grande problema, entretanto, tem sido determinar quando podemos dizer que essa liberdade foi ou não violada (atingida de forma inconstitucional)[2].
A jurisprudência dos tribunais, no mundo todo, tem confrontado casos — para dizer o mínimo — constrangedores, tanto do ponto de vista jurídico, como político e religioso. Recentemente, por exemplo, a imprensa alemã mostrou-se surpresa com a decisão de um de seus tribunais superiores, que entendeu que um empregado muçulmano teria sido injustamente demitido do supermercado em que trabalhava como carregador. O trabalhador tinha sido demitido ao se recusar, por motivos religiosos, a abastecer as prateleiras do estabelecimento com garrafas de bebidas alcoólicas. Em síntese, o tribunal alemão decidiu que os trabalhadores muçulmanos de supermercados não têm a obrigação de carregar ou manusear garrafas de bebidas que contenham álcool. O tribunal entendeu que não se poderia impor uma obrigação contrária às normas morais da fé muçulmana, que proíbem aos mulçumanos tocarem[3] em álcool. A ironia, segundo o semanário Der Spiegel[4], é que, se o supermercado não contratasse o carregador por sua condição de muçulmano, poderia ser processado por por discriminação.
Mais especificamente em consideração à neutralidade do Estado e sua relação com símbolos regiliosos, no chamado caso do véu (Kopftuchurteil), o Tribunal Constitucional alemão teve que decidir, em 24 de Setembro de 2003, se o Estado de Baden-Württemberg poderia negar a posse de uma mulher (Fereshta Ludin) de fé muçulmana numa vaga de professora em escola pública por sua declarada recusa de, no futuro, abandonar o véu muçulmano durante o período em que ministrasse as suas aulas. As autoridades estaduais e os tribunais administrativos argumentavam que, na condição de servidor público que representa o Estado laico, Fereshta Ludin não poderia ostentar símbolos religiosos.
A resposta do Tribunal Constitucional, contudo, decidindo o caso em favor de Fereshta Ludin por ausência de autorização legislativa, parece não ter agradado a ninguém, pois deixava em aberto a possibilidade de os Estados-membros, desde que houvesse legislação, imporem restrições aos trajes e aos símbolos religiosos (véus, crucifixos e estrelas de Davi) que os indíviduos, na condição de servidores públicos, quisessem ostentar.
Também são comuns as dificulades em lidar com a recusa manifestada por adeptos das testemunhas de Jeová quanto a tratamentos médicos básicos (especialmente transfusões de sangue), não sendo incomum aos tribunais terem que decidir se condenam ou não aqueles crentes dessa religião que recusam a si e até mesmo a outros membros de sua família transfusões de sangue ou outros tratementos médicos.

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