segunda-feira, 29 de julho de 2013

A crítica do Estado e do direito: a forma política e a forma jurídica


Alysson Leandro Mascaro

O brumário de Luís Bonaparte e o livro de Engels e Kautsky O socialismo jurídico são textos exemplares da evolução do pensamento marxista a respeito do Estado, da política e do direito: tais obras correspondem, exatamente e em sequência, à fase de juventude de Marx, depois, de sua primeira maturação e, no final, num balanço engelsiano fiel a O capital, um extrato pleno que espelha o pensamento do Marx maduro. Nessa evolução, delineia-se a importância ímpar do marxismo como a mais avançada compreensão da política e do direito no capitalismo. 

A Crítica da filosofia do direito de Hegel é uma das obras fundamentais do período de formação de Marx. Após os anos como aluno da Faculdade de Direito, o jovem Marx passa a limpo sua formação jurídica e o hegelianismo reinante no panorama filosófico alemão. A obra de Hegel, Princípios da filosofia do direito, representava uma leitura bastante original do período no qual a Europa transitava entre o Antigo Regime e a nova ordem burguesa. O mundo do direito natural teológico e do jusracionalismo iluminista estava sendo substituído pelo juspositivismo. O Estado se anunciava, para Hegel, como razão em si e para si.

Marx, comentando parágrafo por parágrafo as letras de Hegel mas avançando contra o hegelianismo, anuncia em seu texto a crítica ao Estado, ao menos nos moldes pelos quais o próprio Estado se apresenta na realidade e no sistema hegeliano. Trata-se de uma crítica ao domínio do Estado pela burguesia, reveladora de uma postura teórica romântica e compromissada de Marx, mas que, na verdade, ainda não alcançou a natureza formal e estrutural do Estado no capitalismo. No mesmo livro, a crítica ao direito se faz contra o sentido de suas manifestações concretas, mas ainda não à sua forma.

Meses depois do comentário sistemático à obra de Hegel, Marx escreve um novo texto que lhe permitirá um avanço na sua compreensão teórica, já anunciando o problema da política para além da própria internalidade jurídica do Estado. A “Introdução” que escreveu à sua Crítica da filosofia do direito de Hegel dá conta de um sujeito histórico específico, que passa a tomar corpo como sendo o cerne da possibilidade de transformação social: a classe trabalhadora. É com base em sua ação política – portanto, a partir do horizonte dos explorados do capital – que o problema do Estado se reconfigura. Assim, nessa primeira fase, Marx anuncia a tomada do Estado pela classe trabalhadora como o grande horizonte crítico da política.

No entanto, a reflexão de Marx sobre a política dá um grande salto com a produção intermediária, já de pleno avanço na sua maturação teórica. Em O 18 de brumário de Luís Bonaparte, Marx compreende, de modo bastante original, a natureza do Estado na reprodução da sociabilidade capitalista. Ao contrário do exposto em suas obras iniciais, o pensamento marxiano analisa nesse livro as estruturas políticas que persistem na reprodução capitalista mesmo quando não diretamente controladas pela burguesia. Em um Estado cujos arranjos políticos liberais, diretamente burgueses, não dão conta de manter as condições para a reprodução da própria vida do capital, o golpe de Estado promovido por Luís Bonaparte afasta a burguesia da administração estatal para justamente sustentar a sua própria continuidade. Em seu livro, Marx expõe, então, que o Estado não é simplesmente um aparelho neutro à disposição da dominação das classes, moldado no todo em razão de seu controle por elas. O Estado é estruturalmente capitalista, ainda que as classes que o controlem imediatamente não o sejam. Com isso, dá-se o salto de qualidade da teoria marxista quanto à política: não o domínio de classe, mas sim a forma política estatal é o horizonte que demanda o combate por parte dos socialistas.

Tal reflexão será sistematizada por Marx n’O capital, na medida em que desvenda, na própria lógica do capital, os elementos necessários e fundadores de sua sociabilidade e sua reprodução. A mercadoria é seu núcleo – lastreado, em especial, na universalidade do trabalho assalariado como mercadoria – que estabelece uma totalidade social calcada nas formas de valor, da subjetividade jurídica, do apartamento da política em face dos agentes da produção. O Estado e o direito aí encontram sua natureza estrutural. Não se trata apenas de procurar quem os controla, tampouco a luta por eventuais ganhos parciais em suas bases. Estado e direito são, irremediavelmente, manifestações do capital.

 Após a morte de Marx, um reformismo de esquerda buscou enfraquecer a plenitude da compreensão comunista sobre a política. No combate a teses reformistas – encarnadas, então, na figura do jurista Anton Menger –, Engels e Kautsky escrevem O socialismo jurídico. Aos que advogavam os ganhos sociais por meio de reformas no direito e no Estado (os chamados socialistas jurídicos), os autores opõem a natureza estruturalmente capitalista das formas estatal e jurídica. Somente a superação dessas formas pode cessar a exploração de classe. O domínio do direito e do Estado não tem de ser considerado pela classe trabalhadora uma meta da sua luta: acima de tudo, as formas jurídica e política estatal têm de ser extintas, permitindo, então, que os trabalhadores apropriem diretamente os meios de produção e se organizem, social e politicamente, de modo livre e autônomo. O socialismo é, necessariamente, a superação das formas sociais do capitalismo.

 No percurso dessas três obras político-jurídicas de Marx e Engels, revela-se a passagem de uma crítica de esquerda, quase romântica, do jovem Marx à chegada ao nível teórico mais profundo na reflexão sobre o Estado e o direito na reprodução capitalista: suas formas sociais são inexoráveis ao capital porque correspondentes diretas da forma valor e da mercadoria. Em tal horizonte reside a mais profunda crítica de nossos tempos à sociedade capitalista, e a partir dela deve se estabelecer o marco teórico e prático das lutas transformadoras.



Fonte:  IV CURSO LIVRE MARX ENGELS COM CURADORIA DE JOSÉ PAULO NETTO


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