sábado, 9 de novembro de 2013

O ser, o tempo e a morte segundo Gadamer


A compreensão de tempo de Gadamer está relacionada à sua posição relativa à morte como central para a existência humana. Ele não reduz o tempo a uma realidade abstrata e mensurável. O tempo tem a ver com a condição humana finita, de modo que quando o ser humano reflete sobre o tempo, o limite deste sempre é parte desta reflexão.

O  limite nesse caso seria a morte, e ela mostra não só os limites do pensamento, mas também do próprio ser pensante, imaginar formas de conceber o tempo que conjugam a situação atual com aquelas vividas e com as que se espera viver.

Há algumas complicações que deve ser esclarecida, Gadamer apresenta esta situação especialmente em relação ligada a perplexidade da natureza do tempo, uma complexidade que envolve a filosofia quando esta se propõe a expor a natureza do eu. Este centro da filosofia moderna é encarado como fundamento da reflexão e, no entanto, não é uma realidade tão autoevidente quanto propunha Descartes. Justamente quando se coloca o eu diante de suas variações no tempo, é que se percebe que o eu no tempo é também um desses “problemas filosóficos” que reconhecemos no momento de tentar expô-lo. Complexidade do eu, da filosofia e do tempo.


Percebe-se, pois, na leitura do mito de Prometeu por Gadamer, a principal dádiva aos seres humanos foi lhes ocultar a visão de sua morte, de modo que pudessem se ocupar do desenvolvimento criador, identificado com a técnica. É isto que ele vê representado de modo exemplar na formulação dramática de Goethe: Prometeu aparece ali como uma consciência cartesiana, que se entende eterna por ser criadora. Entretanto, esta eternidade é meramente uma sucessão de tempos. Importância qualitativa tem de fato a ação criadora, não esta eternidade. Por outro lado, Goethe também faz Prometeu vivenciar a ruína pelas paixões espalhadas por Pandora. A importância disto, para Gadamer, é que a autossuficiência da consciência cartesiana representada pelo Prometeu inicial é posta em questão pela ruptura criada com as infelicidades, que produzem isto enquanto representantes da morte, indicativo radical da alteridade em relação ao eu.
 

Descartando uma contraposição simplista entre, por um lado, uma concepção histórica, representada pelo judaísmo e, por outro lado, uma carência de concepção de tempo na filosofia grega, Gadamer sintetiza as várias tentativas de formulação da questão do tempo entre os gregos. Pondo em prática seu método interpretativo filosófico, que dedica sempre muita atenção ao desenvolvimento das ideias, sua exposição parte dos pré-socráticos, passa pela filosofia clássica e chega até Plotino. Com isso, ele consegue mostrar uma variedade de abordagens que a questão do tempo foi submetida, ao mesmo tempo em que apresenta a linha de desenvolvimento no tratamento da questão. 

Em Heidegger Gadamer deve a percepção da relação entre os temas do tempo e da morte. Ali Gadamer encontra espaço para considerações sobre ambientes e épocas, e para a relação existencial com eles. Trata-se, para ele, de uma reflexão fundada “(...) na unidade orgânica do ser vivo.” Orgânico entendido não só em sentido biológico, mas no sentido de uma realidade que transcende o meramente analisável. O processo de passagem do tempo em suas transições não é linear. Em certos momentos se percebe, por exemplo, que se envelheceu. Não se trata de algo meramente subjetivo, mas da percepção de algo que realmente ocorre objetivamente. Tal reconhecimento é um evento em que a pessoa se apropria de uma verdade.

Ao interpretar um poema de Paul Celan sobre a crucificação de Jesus, Gadamer mostra como um recurso não filosófico, no caso a linguagem poética, contribui para a reflexão.

O poema apresenta os gritos de Jesus na cruz como vãos, já que Deus, não tendo experiência da morte e do sofrimento, não pode conhecê-los e, portanto, apiedar-se por causa deles. Para Gadamer, este poema nos revela que nenhum pensamento sobre a morte pode nos livrar de seu horror. Jesus, em sua interpretação, aparece ali como o paradigma do desespero humano diante do nada da morte. Só assumindo este horror é que se pode voltar a pensar, mas pensar após o susto, de modo a reconhecer na persistência da vida para a morte transcendendo a própria vida.


Por Claudio Castoriadis
Fonte: Eduardo Gross

Astronautas caindo aos pedaços.


Assim são as pessoas, umas sólidas, concretas de aço, outras estranhas, infinitas e abstratas. As pessoas são paisagens, cartão de visita, as pessoas são chamadas não atendidas, as pessoas são gritadas, anunciadas pelo nome sobrenome, as pessoas são palavras esquecidas. As pessoas têm papo, cabeça ombro e membros, sentimentos no anonimato, as pessoas são potências e atos. As pessoas têm coisas, as coisas têm as pessoas, são textos caligrafias cadernos encadernados no segundo, mundo particular em partículas criptografadas, um quarto da metade industrializada condicionada. As pessoas estão na terra, estão no terraço, as pessoas estão no mundo da lua, astronautas caindo aos pedaços.    





Por Claudio Castoriadis
Ilustração: Elena Shumilova

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