segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Certamente somos fieis à selvageria nossa de cada dia


Não é de hoje essa onda indecorosa e repugnante moralista- trocar uma dor por outra: a vingança que faz do egoísmo a regra dominante  das relações humanas. A reação colérica frente ao prejuízo deliberado de uma pessoa sobre a outra virou uma rotina estupidamente comum no alivio simbólico de alguém amarrado, apedrejado, pela sociedade.

O preço de ser no mundo não é barato; temos que viver o instante e evitando dores físicas, arrependimentos e frustrações; temos a obrigação de quem pensa, buscar a justiça, mesmo que seja complicado; é um dever que se impõe, tanto pela razão quanto pela emoção dolorosa que machuca. A razão, mesmo sendo um paradigma, serve para termos consciência da realidade, evitando que os homens se coloquem em perigo, evitando que o nada do absurdo contamine o mundo.

Segundo Sêneca a origem da vingança está na esperança, na capacidade humana de ter expectativas irreais sobre o mundo, em um conflito entre um mundo desejado e o mundo que se apresenta.

Falando no bem, segundo os textos bíblicos, após revelar os mandamentos, Deus instruiu o povo hebreu sobre a condenação aos infratores segundo a lei de talião:

Olho por olho, dente por dente. Lembrete, a punição ao injusto, nesse caso, que aliena a vítima não é regida pelo direito da vítima, como imagina o senso comum, mas pela infração aos mandamentos do próprio Deus. A vingança só pode ser operada pelos justos, os obedientes a Deus, a quem a divindade delega esse poder.

Nessa esteira não está em jogo a felicidade da vítima ou do povo, afinal, a vida terrena é fruto de um castigo essencialmente infeliz do pecado no Jardim do Éden (que em hebraico significa ''jardim das delícias''), da felicidade eterna do qual o homem justo e temente a Deus deseja.

Ainda nesse contexto a ideia de justiça gruda na consciência do homem como a representação de um sentimento. Sua origem, porquanto, não está ligada à consciência abstrata, mas a “um impulso” o qual seria, mais precisamente, a um contra ataque, pois corresponderia a uma resposta a um estímulo anterior, como é o caso, por exemplo, de uma agressão.

Eis algumas questões: é correto esperar pela justiça dos homens?  Buscar a vingança por motivos sagrados e pessoais glorifica o tipo humano? A quem interessa a glorificação? Problema complexo; uma vez que no Brasil existe aquele jeitinho brasileiro. Epicuro ( um marginal) certa vez afirmou: "a vingança é a justiça do homem em estado selvagem"

Triste fim, certamente somos fieis à selvageria nossa de cada dia.


Por Claudio Castoriadis
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